CASCAIS, TERRA DE AGRICULTORES
A agricultura constituiu, durante séculos, a principal atividade dos habitantes do concelho, ainda que pareça ter-se ressentido de algum atraso na adoção de novas técnicas e da tendência para o excessivo emparcelamento das terras de cultivo, a que Martinho Pereira Coutinho ainda se referiria em 1900. De natureza geológica diversa, os terrenos geravam searas consideráveis, «como prova o facto deles produzirem razoavelmente, mal trabalhados, com um arado rudimentar e sem estrumes ou quase, logo que o ano corra favorável, isto é, logo que não escasseie muito a humidade». O maior obstáculo à atividade era, assim, a secura de que se ressentiam durante o estio, agravada pelo deficiente abastecimento de água, visto que a maioria das ribeiras quase secava. Desta forma, apesar de algumas nascentes permitirem o funcionamento de azenhas no inverno, muitas propriedades tinham de recorrer a engenhos, como as noras, os estanca-rios e as cegonhas ou picotas, a que se juntariam também os moinhos de vento.
A atividade revelava-se, pois, de baixo rendimento e técnica e tecnologicamente deficitária, pelo que a produção não supria sequer as necessidades de consumo internas. Na realidade, nem mesmo a lavra do trigo, a mais relevante do concelho, pareceu satisfazer a procura, o mesmo sucedendo com a da cevada, de produção menos significativa, porque cultivada em terrenos de qualidade inferior, para ração. Também o milho era considerado secundário, à semelhança de outras culturas tradicionais, casos da aveia, do centeio e da fava. Escasseavam igualmente as hortas, que, por necessitarem de muita água, eram sobretudo plantadas em quintas, perto dos vales mais frescos e junto a terras abastecidas por ribeiros ou servidas por poços.
A vinha constituía a cultura mais emblemática do concelho, pela fama do vinho de Carcavelos, cuja produção se concentrava, de acordo com o mesmo autor, «nas colinas suaves ou lombos, que se estendem próximos do mar, junto ao lugar de Carcavelos, mas [também] numa área mais extensa, [...] junto aos lugares da Parede, Murtal, Livramento e Galiza». Viria a ser fortemente afetada pelo oídio, que, detetado em Portugal ainda em 1852, produziu avultados estragos nos seis anos seguintes, à semelhança da floxera, desde 1885. Procedeu-se, desde então, à replantação com videiras americanas, que o míldio não poupou em 1893, secando quase toda a parra da vinha e deteriorando a colheita, em termos de quantidade e qualidade. Em 1900 já se estimava, contudo, um aumento da produção, ainda que se advogasse uma seleção mais escrupulosa dos garfos, castas e cepas. Pouco depois, por carta de lei de 18 de setembro de 1908, definir-se-iam os princípios gerais da sua produção e comercialização, que seria fortemente penalizada pela urbanização da região, a que adiante nos referiremos.
À atividade agrícola associa-se a figura do saloio, com fortíssima implantação nas freguesias de Alcabideche e de S. Domingos de Rana, que representavam a maior extensão rural do concelho. Por saloio entende-se genericamente o camponês que, arreigado à terra há gerações, se encontrava no termo de Lisboa à data da sua conquista por D. Afonso Henriques e que ao longo de gerações desenvolveu uma cultura própria, traduzida nos seus costumes, crenças, linguagem e vestuário. O saloio foi, assim, o herdeiro da tradição árabe do amanho da terra, a que viria a ser roubado em meados do século XIX, em função do surto de desenvolvimento do litoral, para passar a dedicar-se sobretudo à construção civil ou a servir nas casas mais abastadas.
A arquitetura popular, dita saloia, hoje preservada sobretudo no interior do concelho, constitui um testemunho desta importante cultura, que detém núcleo de especial interesse em Manique de Baixo. Solidamente erguido em alvenaria de pedra, o volume cúbico da casa saloia é normalmente rematado com telhado mourisco. Caiada, de um ou dois pisos ou torreada, encontrava-se quase sempre delimitada por muros de pedra seca ou de alvenaria.