O Dia Mundial de Teatro que se comemora este sábado, 27, acontece com os teatros ainda encerrados e que só abrirão portas a 19 de abril, de acordo com o Plano de Desconfinamento do Governo. O vírus que enxameia o mundo tem atacado a Cultura de forma acutilante, e, em particular, o Teatro que é fundado na ideia de pessoas diante de pessoas. "Não há Teatro sem a presença de público" como afirma Carlos Avillez, um dos fundadores e Diretor do TEC – Teatro Experimental de Cascais - que tem resistido há 56 anos a todas as crises. O que torna esta Companhia, em atividade, na mais antiga da Europa e uma das com maior longevidade do mundo.
Qual é o segredo da longevidade do TEC? Como é que se consegue "ser experimental" há mais de meio século?
Carlos Avillez: Acho que é a rebeldia e a coragem. Continuamos os mesmos loucos de há 50 anos atrás. A idade passa, fica a experiência e o conhecimento, ficam as memórias e a força. Mas, a rebeldia continua. Se perdermos a rebeldia, não temos 56 anos de Teatro, temos 10 anos, cinco... um ano ou um dia. Estou neste momento a fazer uma peça que é uma grande homenagem ao Teatro Cómico, o Hamlet. É uma loucura nesta crise, o TEC está a fazer uma coisa que é uma ousadia, mas também uma prova de vitalidade. Uma das peças mais longas de Shakespeare e uma das mais difíceis. E nósestamos a arriscar, com um elenco enorme. É um ato de coragem.
"O Teatro é o espelho de um país"
Como é que o TEC vive mais um Dia Mundial do Teatro sem público?
Carlos Avillez: Já atravessei muitas crises durante este Dia Mundial do Teatro. Quando liamos mensagens proibidas neste dia e não sabíamos se no dia seguinte éramos chamados à PIDE (policia politica durante a ditadura do Estado Novo). Neste momento as coisas são diferentes. O que é que vai acontecer? Vamos inaugurar uma rua com o nome da atriz Cármen Dolores que foi muito importante nesta casa. Vamos estar todos unidos através das redes sociais, graças às novas tecnologias. Temos que estar unidos e ser uma força cada vez mais. Temos que chamar a atenção dos poderes públicos que apesar da crise sanitária, temos que responder à pergunta: O que é que fica depois da pandemia? O Teatro é o espelho de um país, é a forma de comunicação mais direta. O Teatro é uma coisa que se faz com paixão, com entrega, com luta. Por isso, estaremos aqui a ensaiar a nova peça Hamlet que hoje não sabemos quando poderá estrear.
"As pessoas vão à Lua e a Marte, mas não vão dentro do nosso pequeno universo"
O Teatro é o motor que faz circular a memória cultural de um povo?
Carlos Avillez: Concordo o mais possível. Nem toda a gente pinta ou desenha, mas todos nós representamos. Estamos sempre a representar. O que me fascina no Teatro é que trabalhamos com um "instrumento" diferente que é com o Ser Humano. E o Ser Humano é um instrumento muito complicado e complexo. O Teatro, independentemente das técnicas, tem que ser artesanal. A grande solução do Teatro que não se confunde com a Televisão ou o Cinema, é sempre esse modo artesanal. O Teatro é um Ser Humano ali em cena com simplicidade. Pode fazer-se um Teatro com uma cadeira.
Por isso é fundamental a presença de público?
Carlos Avillez: Não há Teatro sem público. O Teatro tem uma função cultural, não devemos facilitar para conseguir mais público. Se uma pessoa que vai ao teatro e não traz mensagem nenhuma, não é teatro é outra coisa qualquer, um divertimento com todo o respeito que tenho pelo divertimento. Mas, o Teatro é qualquer coisa que altera as pessoas. Uma pessoa que sai de uma peça de teatro tem que acreditar que as coisas são melhores, tem que ver as coisas de outra maneira, tem que respirar mais fundo. Isso é que é assistir ao Teatro.
"O palco é uma radiografia terrível"
E os atores também sentem essa mudança?
Carlos Avillez: Esse é o problema dos atores. É que eles descobrem coisas que não estavam lá e os encenadores têm que tirar essas coisas dos atores. Nós não nos conhecemos, somos surpreendidos e às vezes as personagens fazem essa malandrice (risos). Para mim é mais fácil conhecer uma pessoa ao vê-la representar do que se estiver a falar com ela. O palco é uma radiografia terrível. Ali não há nada a fazer, não se esconde nada, é um espelho em que as pessoas mostram o que são, a sua sensibilidade e com quem o público se identifica.
O que é que esta pandemia alterou nas rotinas do Teatro?
Carlos Avillez: As pessoas estão cada vez mais sozinhas. As pessoas vão à Lua e a Marte, mas não vão dentro do nosso pequeno universo. Com o confinamento essa solidão aumentou. Perdeu-se aquilo que é mais importante na vida, as relações humanas. E o Teatro já está a refletir esta nova realidade. O Teatro que se faz agora é diferente do que se fazia antes da pandemia e vai ser diferente daquele que se irá fazer depois disto tudo passar. Não falamos só da doença, mas dos traumas que esta crise sanitária vai deixar, as desconfianças que temos do outro. Isso vai permanecer por muito tempo. Mas, tudo irá ser ultrapassado com um grande amor pela profissão. Eu com 65 anos de profissional continuo apaixonado pelo Teatro como no primeiro dia. Isto é quase uma droga boa (risos).
Que mensagem quer deixar às Companhias que lutam todos os dias pela sobrevivência?
Carlos Avillez: Temos que nos unir cada vez mais, dar a entender à sociedade e aos poderes públicos que somos importantes, que estamos vivos. Para que as pessoas olhem para nós, não só no Dia Mundial do Teatro, e deixem de nos ver como objetos decorativos. E nós não somos objetos decorativos. Somos pessoas que dependem desta profissão que é uma profissão difícil que arranca a alma das pessoas. Não nos deixem desaparecer porque nós também não vamos deixar que o Teatro desapareça. Isso está fora de questão.
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