Page 14 - Crónica de el-rei D. Afonso Henriques
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Museu Condes de Castro Guimarães
Quando em 1918 a Cronica del rey dom Affonsso Hamrriques, primeiro rey destes
regnos de Portugal por Duarte Galluam, foi publicada pelo Conde de Castro Guimarães,
a partir do manuscrito que então possuía e atualmente se conserva no Museu Condes
de Castro Guimarães, em Cascais, foi revelada no frontispício do seu prólogo uma joia
da iluminura portuguesa. Tal qualificação resulta do facto de nela se apresentar uma
imagem da capital portuguesa que é um dos elementos icónicos mais significativos
do esplendor da Lisboa manuelina.
D. Manuel ao mandar fazer tal pintura a António de Holanda, o seu melhor artista na arte da
iluminura, refletia a afeição que tinha por Lisboa, cidade que tanto engrandeceu e tornou
no primeiro centro do mundo. Fazemos tal afirmação considerando que só a partir dela é
que no seu tempo se estabeleciam relações com todas as partes da Terra, tendo-se assim
iniciado um fenómeno de mundialização que está na remota origem da atual globalização.
O códice que aqui tratamos contém a crónica de D. Afonso Henriques organizada por
Duarte Galvão e as crónicas de D. Sancho I a D. Afonso IV preparadas por Rui de Pina,
trabalhos que resultam do muito interesse que D. Manuel nutria pela História, como o
revelou Damião de Góis ao afirmar que ele:
Era mui entendido nas histórias, e sobretudo nas crónicas dos reis destes reinos,
nas quais se deleitava tanto, que perante si as fazia ler ao príncipe Dom João seu
filho, e enquanto foi viúvo da rainha Dona Maria me parece que poderei afirmar,
que não passou sesta nenhuma em que o não fizesse ler nelas .
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Em parte, estas referências poderão remeter para o facto de D. Manuel ter mandado
copiar as crónicas contidas no códice que está em Cascais para o seu herdeiro
no trono, pois a ele se destinava. Tal facto tem um grande significado e permite
datar a obra como sendo anterior a 1521, provavelmente de 1520, embora não se
possa excluir ter sido mandada fazer ainda antes, considerado o empenho que D.
Manuel teve em fazer o seu filho ler as crónicas depois da morte da sua mãe em
1517. A garantir a sustentabilidade desta datação estão as circunstâncias de não
identificarmos elementos posteriores a 1520 na imagem de Lisboa contida nesta
obra e de nela estarem presentes as armas do então príncipe D. João (fig. 1). Esse
último elemento é decisivo como elemento da sua datação e valorização, sendo-
nos assegurado pela erudita e rigorosa informação que aqui reproduzimos e muito
gentilmente nos foi facultada por Miguel Metelo de Seixas, especialista de Heráldica,
a quem muito agradecemos.
As armas presentes neste códice são as armas reais portuguesas diferençadas
com um lambel de prata pleno. O lambel (ou banco de pinchar) foi usado em
Portugal a partir da geração dos filhos de D. João I, por nítida influência dos
usos heráldicos da Casa Real inglesa. A ideia básica das diferenças heráldicas
consiste em permitir uma identificação simultaneamente dinástica e pessoal
do detentor de cada emblema heráldico: assim, só o rei pode usar as armas
plenas; todos os restantes membros da dinastia reinante usam as armas reais
(sinal de que pertencem à mesma dinastia) mas quebrando-as ou diferençando-
as mediante uma pequena modificação, que identifica cada um pessoalmente.
No caso do príncipe herdeiro, este usa o lambel mais simples (de prata pleno)
de maneira a assinalar que é o mais próximo do trono (abandonará o lambel
2 Crónica do felicíssimo rei D. Manuel composta por Damião de Góis, parte IV, Coimbra, Universidade,
1955, p. 229 (a sua 1.ª edição data de 1567).
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